Apps que travam celular por calote avançam apesar de vetos

A adoção de aplicativos de bloqueio remoto de celular em contratos de empréstimo cresceu fortemente no país, mesmo após decisões judiciais contrárias à prática. Entre agosto de 2024 e julho de 2025, a Kaspersky barrou 88 mil instaladores desse tipo, volume 43 vezes superior ao registrado nos 12 meses encerrados em agosto de 2023.

No modelo, conhecido como kill switch, o tomador de crédito precisa instalar um programa capaz de travar completamente o aparelho caso ocorra inadimplência. A empresa de segurança digital classifica esses aplicativos como “spyloan” e os inclui em lista de bloqueio por risco de extorsão.

Tribunais do Distrito Federal e do Amazonas já consideraram abusiva a oferta de crédito condicionada ao kill switch. A decisão mais abrangente foi proferida em maio de 2025 pela 2ª Turma Cível do TJDFT, que declarou nula a cláusula em contratos da Supersim, correspondente bancário focado em classes C e D. A empresa ficou proibida de manter o app nas lojas do Google e da Apple, sob multa diária de R$ 100 mil, e passou a correr risco de penalidade de R$ 10 mil por contrato assinado depois da sentença.

Os contratos anteriores continuam válidos; portanto, quem atrasar parcelas ainda pode ter o celular inutilizado. A Supersim recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. “Confiamos em um desfecho favorável, que permita ampliar nossa missão de inclusão financeira”, informou a companhia.

Como a decisão atinge apenas a Supersim e sua razão social Socinal, concorrentes seguem usando o bloqueio remoto de celular. Juvo e Mister Money ofertam o mesmo formato de garantia e mantêm seus aplicativos na Play Store. Segundo a Mister Money, a garantia sobre o aparelho possibilita conceder crédito a negativados sem comprovação de renda e reduz juros. Simulação no site da empresa mostra empréstimo de R$ 5 mil pago em 36 parcelas de R$ 516,72, total de R$ 18.601,92.

A Juvo afirma operar por meio de alienação fiduciária prevista em lei, sem coletar dados sensíveis e bloqueando “apenas apps não essenciais”. A fintech diz já ter liberado R$ 1,6 bilhão em crédito nesse modelo e captado R$ 140 milhões via FIDC para financiar a carteira.

Para Fábio Assolini, diretor de pesquisa da Kaspersky para a América Latina, o perigo vai além do travamento do aparelho. “Esses programas coletam fotos, contatos e podem bloquear o telefone para exigir pagamento”, afirma. O especialista ressalta que, frequentemente, o aplicativo verdadeiro não é disponibilizado nas lojas oficiais; o consumidor baixa o instalador diretamente de páginas web durante a contratação.

O recurso de segurança é difícil de remover: não aparece entre os apps tradicionais, impede o hard reset e exige passos técnicos para desativar permissões internas. Há inclusive anúncios de “serviço de desbloqueio” na internet, o que, segundo Assolini, pode expor o usuário a malwares ainda mais perigosos.

Fora do Brasil, a prática também é monitorada. No México, único mercado latino-americano com incidência superior, já foram relatados casos de uso de fotos íntimas para pressionar devedores.

No processo da Supersim, o TJDFT rejeitou pedido de indenização coletiva por falta de prova de dano a todos os consumidores. O Idec recorreu ao STJ para tentar reverter o resultado.

CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK!

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*