
Aos 25 anos, o escritor Rafael Souza dos Santos lançou em julho seu primeiro livro, “O diário de Rafael”, contrariando previsões médicas feitas ainda na maternidade. Diagnosticado com paralisia cerebral logo após o nascimento, ele conviveu desde cedo com limitações motoras finas, mas transformou a própria trajetória em obra literária e em instrumento de motivação para outros pacientes.

Diagnóstico e primeiros desafios
A família de Rafael, moradora de Nova Itarana, no interior baiano, recebeu a notícia da lesão cerebral horas depois do parto. Profissionais de saúde alertaram que a coordenação motora poderia ser comprometida, dificultando atividades que exigem precisão, como escrever. Ao perceber atrasos nos marcos de desenvolvimento — sustentar a cabeça ou sentar sem apoio — seus pais procuraram atendimento especializado e iniciaram fisioterapia, terapia ocupacional e acompanhamento multidisciplinar.
Segundo a neurologista Mariana Trintinalha, professora do Grupo MedCof, o acompanhamento precoce contribui para reduzir rigidez muscular, prevenir complicações ortopédicas e melhorar a qualidade de vida. “Sem intervenção, a espasticidade tende a se agravar à medida que o paciente cresce”, explica a médica. O caso de Rafael ilustra a importância de tratamento contínuo: sessões regulares de fisioterapia, uso de adaptações e apoio familiar permitiram avanços motores suficientes para o manuseio de teclado e caneta.
O que é a paralisia cerebral
A paralisia cerebral resulta de lesões no cérebro que afetam movimentos, equilíbrio e fala. A condição pode ocorrer durante a gestação, no parto ou nas primeiras semanas de vida. Entre os principais fatores de risco estão infecções, como toxoplasmose, zika e meningite, além de hipóxia perinatal e traumas cranianos.
Especialistas classificam a paralisia cerebral em quatro tipos: espástica, discinética, atáxica e mista. Em todos, sinais de alerta incluem rigidez ou flacidez muscular, atraso para firmar a cabeça, uso predominante de uma mão e dificuldades para sugar, engolir ou mamar. Embora a doença não seja progressiva, a rigidez pode aumentar, exigindo reabilitação constante.
Construindo autonomia
Com incentivos da família e dos profissionais de saúde, Rafael buscou independência desde a infância. As vitórias diárias – deslocar-se sem ajuda ou acompanhar aulas em escola regular – foram reforçando a autoconfiança. “Cada pequena conquista mostrava que eu podia ir além”, recorda o autor.
Durante a adolescência, a escrita surgiu como forma de registrar experiências e lidar com barreiras físicas e sociais. Incialmente em cadernos, depois no computador, ele acumulou histórias que, anos mais tarde, serviriam de base para o livro. O projeto ganhou impulso quando amigos e professores sugeriram transformar os registros em publicação.
Nascimento de “O diário de Rafael”
A obra foi viabilizada por meio da Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura e recebeu ilustrações da artista Camila Scavazza. Estruturado em formato de diário, o livro relata episódios da infância, desafios na escola e a relação com a própria condição. “Meu objetivo era mostrar que minha história não é só sobre limitações, mas sobre superação, fé e alegria de viver”, afirma o escritor.
O lançamento ocorreu em julho, no auditório municipal de Nova Itarana, com presença de familiares, educadores e moradores da região. Desde então, Rafael percorre escolas locais para divulgar a publicação e dialogar com estudantes sobre acessibilidade e inclusão. Ele considera essas visitas parte fundamental do projeto: “Estar ali, compartilhando vivências, ajuda a quebrar preconceitos e a inspirar outros jovens com deficiência”.
Barreiras além da condição física
Para o autor, o maior obstáculo não se limita às limitações motoras, mas ao ambiente pouco adaptado e às atitudes discriminatórias. Ele relata dificuldades em transporte, acesso a espaços públicos e interação com pessoas que duvidam de sua capacidade. “O verdadeiro desafio veio depois do diagnóstico, no dia a dia, quando precisei manter a autoestima intacta em um mundo que muitas vezes questiona nossa competência”, relata.
O processo de escrita funcionou como terapia, permitindo revisitar memórias dolorosas e valorizar conquistas. “Foi como olhar para minha vida de fora e perceber que consegui chegar até aqui, mesmo com tudo que enfrentei”, comenta. Hoje, Rafael planeja novos projetos literários e pretende cursar faculdade à distância.
Perspectivas e qualidade de vida
A paralisia cerebral continua exigindo cuidados diários: fisioterapia, exercícios de alongamento e consultas periódicas. Mesmo assim, o escritor reforça que vive com propósito definido. Ele destaca a importância de manter redes de apoio, incluindo amigos, familiares e profissionais de saúde, para preservar a autonomia.
Para a neurologista Mariana Trintinalha, histórias como a de Rafael demonstram que tratamento multidisciplinar, aliado ao estímulo familiar, amplia as possibilidades de desenvolvimento. “Cada caso é único, mas estratégias corretas permitem que muitos pacientes estudem, trabalhem e participem plenamente da sociedade”, conclui.
Rafael segue promovendo o livro e compartilhando mensagens de incentivo. “Claro que a paralisia cerebral continua fazendo parte do meu dia a dia, mas aprendi a cuidar do meu corpo enquanto desafio limites. Hoje vivo com alegria, cercado de amigos e realizando sonhos”, afirma.
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