
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta segunda-feira (18) que o Brasil continua tentando negociar com o governo dos Estados Unidos para reduzir a tarifa de 50% aplicada a produtos brasileiros, mas esbarra em uma exigência que, segundo ele, contraria a Constituição. A declaração foi dada em São Paulo, durante a abertura do evento FT Climate & Impact Summit Latin America e Brasil 2030, organizado pelo Times Brasil/NBC em parceria com o Financial Times.
Haddad explicou que autoridades norte-americanas insistem em condicionar qualquer avanço à intervenção do Poder Executivo brasileiro em processos judiciais que tramitam no país. “Temos documentos oficiais mostrando que a negociação só não avança porque os Estados Unidos querem impor ao Brasil uma solução constitucionalmente impossível”, disse. De acordo com o ministro, a Constituição não permite que o Executivo interfira em decisões do Judiciário, o que cria um impasse técnico e político.
A tarifa de 50%, anunciada recentemente por Washington, afeta bens industriais de diversos setores e pressiona a competitividade das empresas brasileiras no mercado norte-americano. O governo brasileiro argumenta que a medida desrespeita compromissos assumidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e ameaça agravar a queda do comércio bilateral. Hoje, as exportações nacionais destinadas aos Estados Unidos representam cerca de 12% do total vendido pelo Brasil ao exterior, proporção que já foi de 25% nos anos 1980. “Pelo andar dos acontecimentos, acredito que o comércio bilateral vai cair ainda mais”, avaliou o titular da Fazenda.
No início de agosto, Haddad tinha agendado reunião em Washington com o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, para discutir o assunto. O encontro, contudo, foi cancelado poucas horas antes de ocorrer. Segundo o ministro, interlocutores da extrema direita brasileira atuaram para inviabilizar a reunião. Ele relatou que, no mesmo horário em que seria recebido, Bessent conversava com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). “Eu jamais cancelaria uma reunião marcada com um homólogo estrangeiro”, afirmou.
Haddad recordou que, em maio, tivera uma conversa “excelente” com Bessent. “O que mudou de maio para julho deve ser perguntado a eles”, resumiu, sem entrar em detalhes. O Ministério da Fazenda garante dispor de toda a troca de correspondências que comprova a tentativa de diálogo formal com o Tesouro dos Estados Unidos.
Diante da incerteza, o governo brasileiro prepara um plano de contingência para atenuar os efeitos do “tarifaço” sobre o setor produtivo. A iniciativa, batizada de MP Brasil Soberano, prevê a liberação de até R$ 30 bilhões em linhas de crédito subsidiado. A medida provisória ainda precisa ser regulamentada, tarefa que Haddad pretende concluir nesta semana. “Nosso objetivo é fazer chegar na ponta os recursos liberados e proteger o Brasil dessa agressão externa”, declarou. O ministro disse considerar o programa “bem calibrado” e, no momento, não vê necessidade de ampliá-lo.
Além do impacto imediato sobre as exportações, a nova tarifa reforça a percepção de que os Estados Unidos redesenham sua política comercial. Para Haddad, o governo de Donald Trump – retomado após as eleições de 2024 – sinaliza uma mudança estrutural nas regras da globalização criadas nas últimas décadas. Segundo o ministro, Washington promoveu, no passado, a abertura de mercados e a descentralização da produção mundial, mas agora reavalia esses princípios após constatar a ascensão acelerada da China. “Quando perceberam que a China ganhou ainda mais, decidiram mudar o jogo”, comentou.
O ministro evitou estimar perdas imediatas em valores, mas alertou que a participação dos Estados Unidos como destino das exportações brasileiras tende a diminuir caso o impasse persista. Ele lembrou que o país norte-americano é tradicionalmente o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, e que a redução do intercâmbio pode afetar cadeias industriais de alto valor agregado.
Questionado sobre eventuais medidas de retaliação, Haddad reiterou que o governo prioriza a via diplomática e o debate em organismos multilaterais, mas não descarta recorrer à OMC se as conversas bilaterais falharem. “Estamos abertos a negociar, mas dentro dos limites legais que nosso arcabouço constitucional estabelece”, reforçou.
Até o momento, não há nova data para reunião entre os dois ministérios da Fazenda. Enquanto isso, a equipe econômica brasileira continua mapeando os segmentos mais atingidos pela tarifa de 50% e articula com bancos públicos a operacionalização das linhas de crédito emergenciais. A expectativa é que a regulamentação da MP Brasil Soberano seja publicada no Diário Oficial da União ainda neste mês.
Imagem: Rovena Rosa via agenciabrasil.ebc.com.br
O cenário, segundo Haddad, confirma a urgência de diversificar mercados e fortalecer acordos com outros parceiros, como União Europeia e países asiáticos. O ministro frisou que os resultados dependerão da capacidade de o Brasil manter estabilidade institucional e previsibilidade regulatória, fatores considerados essenciais para a atração de investimentos e a expansão das exportações.
Enquanto Brasília aguarda uma sinalização de Washington, empresas brasileiras já revisam estratégias de venda e estudam redirecionar parte da produção para mercados onde não enfrentem barreiras adicionais. Analistas do setor apontam que, caso a alíquota de 50% permaneça, produtos de maior valor agregado – especialmente bens industriais – poderão perder participação significativa nos Estados Unidos em favor de concorrentes de outras origens.
Sem um acordo à vista, o governo brasileiro volta-se à articulação interna para mitigar danos econômicos e evitar demissões. A publicação da medida provisória está entre as prioridades da equipe econômica para os próximos dias, junto com a continuidade das conversas técnicas que possam destravar o diálogo bilateral. Até lá, o impasse jurídico mencionado por Haddad mantém suspenso qualquer avanço concreto na redução da tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos.
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