
O governo brasileiro enviou nesta segunda-feira, 18 de agosto de 2025, uma defesa de 91 páginas ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) afirmando que o Pix não impõe qualquer barreira a empresas estrangeiras e cumpre integralmente os princípios de neutralidade do sistema financeiro. O documento, assinado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, responde à investigação aberta em julho pelo governo do então presidente norte-americano Donald Trump com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.
Segundo a chancelaria, a apuração dos Estados Unidos mira possíveis práticas brasileiras consideradas desleais em quatro frentes: sistemas de pagamento instantâneo, etanol, direitos de propriedade intelectual e desmatamento. O Itamaraty sustenta que não há base jurídica ou factual para as alegações e que o uso unilateral da Seção 301 contraria as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Sistema de pagamentos instantâneos
No tópico dedicado ao Pix, o governo esclarece que a infraestrutura foi concebida e é operada pelo Banco Central (BC), o que garantiria igualdade de condições a participantes brasileiros ou estrangeiros. “A administração pública brasileira não estabelece restrições de origem ou de propriedade para o acesso ao sistema”, afirma o texto.
A defesa observa ainda que diversos bancos centrais adotam soluções semelhantes, citando a União Europeia, a Índia e os Estados Unidos. “O Federal Reserve lançou recentemente o FedNow, ferramenta com funcionalidades análogas”, destaca o documento, para reforçar que a iniciativa brasileira está alinhada a tendências internacionais.
Contestação ao uso da Seção 301
O Brasil argumenta que a Seção 301 permite medidas comerciais unilaterais que podem desequilibrar o comércio multilateral. “Esses instrumentos ameaçam o sistema de solução de controvérsias da OMC e afetam negativamente as relações bilaterais”, diz a nota que acompanhou o envio da defesa.
O texto enfatiza que a participação brasileira no procedimento ocorre “exclusivamente em espírito de diálogo”, sem reconhecimento da legitimidade do processo norte-americano. O Itamaraty acrescenta que, historicamente, os Estados Unidos acumulam superávit na balança comercial com o Brasil, o que evidenciaria a ausência de práticas restritivas por parte brasileira.
Propriedade intelectual e pirataria
Em relação às acusações de pirataria, Brasília afirma manter “um regime legal abrangente” que protege direitos de propriedade intelectual e cumpre integralmente os acordos da OMC. As reformas legislativas recentes, segundo o governo, buscaram alinhar-se às normas multilaterais sem prejudicar a competitividade de empresas norte-americanas.
O documento salienta que atividades de comércio ambulante consideradas irregulares são combatidas por autoridades policiais e fiscais. “A legislação brasileira prevê sanções, apreensões e destruição de mercadorias falsificadas, procedimentos comparáveis aos adotados nos EUA”, diz o texto.
Redes sociais e decisões judiciais
O USTR também apontou bloqueios de plataformas digitais e suspensão de perfis determinados pela Justiça brasileira como possíveis barreiras. Na resposta, o governo nega discriminação e lembra que decisões do Supremo Tribunal Federal seguem o devido processo legal. O Código Civil, mencionado pelos norte-americanos, “aplica-se indistintamente a todas as empresas, nacionais ou estrangeiras”, informa o documento.
Etanol, desmatamento e aeronáutica
Sobre o etanol, a defesa argumenta que o Brasil historicamente pratica tarifas de importação baixas para cumprir compromissos multilaterais e que não impõe quotas específicas ao produto dos Estados Unidos. No tema ambiental, o governo afirma que ações de combate ao desmatamento não configuram barreira comercial, pois “não restringem a circulação de bens” nem discriminam produtores norte-americanos.
No setor aeronáutico, o Itamaraty ressalta que o Brasil aplica tarifa zero para peças e aeronaves provenientes dos EUA e que fabricantes nacionais mantêm linhas de produção em território norte-americano, gerando empregos locais.
Próximos passos
A resposta brasileira será avaliada pelo USTR, que programou audiência pública para 3 de setembro. Empresas, entidades civis e órgãos governamentais poderão apresentar argumentos adicionais. A decisão final caberá ao governo dos Estados Unidos, sem prazo definido para anúncio.
O Itamaraty conclui que “eventuais medidas punitivas minariam os avanços regulatórios recentes do Brasil” e poderiam comprometer objetivos declarados pelo USTR, especialmente no tocante à expansão de sistemas de pagamento instantâneo semelhantes ao Pix.
Embora o desfecho permaneça incerto, o governo brasileiro sustenta que o diálogo deve prevalecer e reitera ter adotado reformas legais e institucionais “compatíveis com as melhores práticas internacionais” em todos os setores sob investigação.
Durante a tramitação, o Brasil pretende enfatizar que o Pix representa “infraestrutura pública essencial, aberta e segura” que já conta com mais de 800 instituições participantes, incluindo bancos de capital estrangeiro. A posição será mantida nas rodadas de esclarecimentos previstas até a conclusão do processo.
Para autoridades brasileiras, qualquer tentativa de classificar o Pix como prática desleal “ignora a transparência regulatória” do BC e contraria a evolução mundial dos pagamentos eletrônicos instantâneos. O tema será um dos focos do posicionamento brasileiro na audiência de setembro.
Até lá, Brasília seguirá monitorando os desdobramentos na USTR e avalia acionar mecanismos de solução de controvérsias da OMC caso medidas unilaterais sejam efetivadas.
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