
Uma carta de Natal escrita por Gerson de Melo Machado, 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho”, mostra os principais anseios do jovem que morreu no mês passado após invadir o recinto dos felinos do Parque Zoobotânico Arruda Câmara, a Bica, em João Pessoa (PB). No texto, divulgado pela conselheira tutelar Verônica Oliveira, Gerson pede a visita da mãe “para ter carinho e amor” e manifesta o sonho de trabalhar como veterinário ou policial florestal.
“Eu queria ter uma grande felicidade que eu nunca tive”, escreveu o rapaz, acrescentando que acreditava realizar o desejo “quando Deus quisesse”. O documento também registra agradecimento pela internação que o mantinha privado de liberdade e ao apoio de profissionais que o acompanhavam no processo de recuperação.
Segundo Verônica, Gerson recebeu diagnóstico tardio de esquizofrenia e enfrentou trajetória marcada por vulnerabilidade social. “Ele não desejava nada material, apenas o impossível parecia permear a vida dele”, comentou a conselheira, referindo-se à ausência de cuidado familiar e de tratamento regular de saúde mental.
O histórico policial confirma a fragilidade do jovem. A delegada Josenice de Andrade Francisco informou que Gerson acumulava 16 registros, a maioria por dano ao patrimônio e pequenos furtos. Em sua última condução à Central de Flagrantes, a polícia solicitou internação psiquiátrica, mas o pedido não foi analisado a tempo.
Mesmo em conflito com a lei, o rapaz repetia um plano fixo: viajar a pé para a África e cuidar de leões. Agentes que o abordavam relatam haver tentado explicar a distância do continente, sem sucesso. O episódio mais grave ocorreu quando Gerson cortou a cerca do aeroporto de João Pessoa e subiu no trem de pouso de uma aeronave; ele foi contido antes da decolagem.
A visita ao zoológico da capital paraibana, em outubro, terminou de forma trágica. Ao escalar a grade do setor de felinos, Gerson foi atacado por uma leoa e não resistiu aos ferimentos. A morte evidenciou falhas nos cuidados de saúde mental e na rede de proteção social que o acompanhava.
A carta de Natal, agora pública, sintetiza os dois grandes desejos do jovem: o reencontro com a mãe e a oportunidade de exercer um trabalho ligado ao cuidado de animais. Para Verônica, o texto “escancara o quanto a vida de Gerson foi feita de impossibilidades”, mas também reforça a urgência de políticas que garantam atendimento adequado a pessoas em situação semelhante.

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