
As denúncias de exploração sexual infantil na internet encaminhadas à SaferNet Brasil aumentaram 114% na semana que sucedeu a publicação de um vídeo do influenciador e humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca. O material, divulgado em 6 de agosto e visto mais de 38 milhões de vezes, expôs estratégias de criadores de conteúdo que lucram com imagens de menores em situação sexualizada.
Levantamento feito pela organização não governamental na terça-feira (12) apontou 1.651 denúncias únicas registradas entre 6 de agosto e 0h do dia 12. No mesmo intervalo de 2024 o número havia sido de 770, o que representa crescimento de 114%. Os dados integram o Canal Nacional de Denúncias de Crimes e Violações a Direitos Humanos, mantido pela SaferNet há quase duas décadas.
Segundo a ONG, o salto contrasta com a evolução verificada no primeiro semestre deste ano, quando foram contabilizadas 28.344 notificações, 19% acima das 23.799 registradas no primeiro semestre do ano passado. A variação era considerada dentro do esperado após a queda de 26% observada em 2024, mas o impacto do vídeo alterou a tendência, tornando agosto o período de maior alta recente.
Para Thiago Tavares, presidente da SaferNet, o fenômeno tem relação direta com a repercussão do conteúdo publicado por Felca. “O tema não mobilizava um debate tão amplo havia anos; a visibilidade do vídeo fez as pessoas entenderem como denunciar e estimulou a participação”, disse.
As chamadas denúncias únicas são encaminhadas de forma anônima por usuários da rede. Antes de repassar o material, a SaferNet remove links repetidos, agrupa comentários e reúne evidências. Após a filtragem, os indícios são remetidos ao Ministério Público Federal (MPF), órgão responsável por avaliar o mérito, verificar se há crime e, quando necessário, iniciar investigações cíveis ou criminais relacionadas aos direitos humanos.
No vídeo, Felca detalha duas práticas apontadas há meses pela ONG: a utilização do Telegram como principal plataforma para distribuir e comercializar imagens de abuso infantil e o emprego de siglas, acrônimos ou emojis que tentam camuflar o conteúdo ilícito. Entre os códigos mais comuns está “cp” (abreviação de child porn), exibido pelo influenciador em grupos dedicados à troca ou venda dos arquivos.
A SaferNet evita o termo “pornografia infantil”, argumentando que a expressão minimiza a gravidade do crime. Para a entidade, posse, registro, distribuição e comercialização de imagens desse tipo prolongam e multiplicam as consequências de violações mais severas, como estupro e exploração sexual de crianças e adolescentes.
O vídeo também mostra como criadores de conteúdo monetizam a exibição de menores em situações sexualizadas, seja por meio de anúncios em plataformas de vídeo, seja pela venda direta dos arquivos em canais privados. A exposição despertou indignação entre usuários, que recorreram ao hotline da ONG para relatar perfis, grupos e links suspeitos.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
Dentro do fluxo de análise, técnicos e analistas do MPF verificam cada URL denunciada, classificam o material e determinam, quando pertinente, a adoção de medidas legais. O procedimento inclui solicitar remoção de conteúdos, acionar provedores de aplicação e, em casos de crime federal, instaurar inquéritos com apoio da Polícia Federal.
Embora o pico de denúncias de abuso infantil esteja associado ao episódio recente, a SaferNet ressalta que o fenômeno não é isolado. Os dados histó-ricos indicam que campanhas de conscientização, reportagens e publicações virais tendem a elevar temporariamente o volume de notificações, reforçando a importância da participação popular na identificação de violações online.
Fundada em 2005, a SaferNet completa 20 anos em dezembro. A organização tornou-se referência na promoção de direitos humanos na web e mantém, além do canal de denúncias, o Helpline (Ajuda.org.br), voltado a vítimas de violência digital. A ONG também desenvolve iniciativas educacionais, como a Disciplina de Cidadania Digital, que orienta escolas e comunidades sobre uso seguro da internet.
A mobilização gerada pelo vídeo de Felca reviveu discussões sobre a responsabilidade das plataformas de mensagens e redes sociais no combate à exploração sexual infantil. Para Tavares, a reação pública demonstra que “sociedade civil, setor privado e autoridades podem agir de forma coordenada para enfrentar crimes contra crianças e adolescentes na rede”.
Enquanto o debate avança, o MPF segue analisando as 1.651 denúncias recentes. Caso sejam confirmados indícios de crime, os responsáveis poderão responder pelos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que tipificam posse, produção e distribuição de material de abuso infantil, além de outras leis aplicáveis.
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