Dino barra efeito automático de leis estrangeiras em solo brasileiro

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar que impede a aplicação direta de leis, decisões judiciais ou ordens executivas de outros países sobre pessoas, empresas, contratos ou bens localizados no Brasil sem prévia análise do Judiciário nacional. A decisão foi tomada na segunda-feira (28) em resposta a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Na ação, o Ibram questionou medidas adotadas por municípios brasileiros que ingressaram com processos na Justiça do Reino Unido contra mineradoras sediadas no país europeu. Segundo a entidade, essas iniciativas poderiam resultar na imposição de sentenças estrangeiras contra agentes privados que atuam no território brasileiro, à revelia de qualquer controle das autoridades locais.

Ao acolher o pedido, Dino destacou que nenhum ato normativo ou sentença originada fora do país poderá produzir efeitos “automáticos” no Brasil. A eficácia, afirmou o ministro, depende de homologação pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme a matéria. “Qualquer violação dessa determinação constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes”, registrou na decisão.

Para o magistrado, a conjuntura internacional tem revelado um avanço de práticas unilaterais que ferem princípios essenciais do Direito Internacional. Sem mencionar países específicos, Dino escreveu que “ondas de imposição de força” são empregadas “sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais”, o que justificaria a necessidade de reforçar a proteção jurisdicional interna.

O posicionamento ocorre no momento em que o governo dos Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, adota medidas que alcançam autoridades brasileiras. Entre elas está a inclusão do ministro Alexandre de Moraes, também do STF, na chamada Lei Magnitsky, instrumento legal norte-americano que prevê sanções econômicas a indivíduos acusados de violar direitos humanos. Há ainda a possibilidade de restrições comerciais elevadas, descritas como “tarifaço” contra produtos brasileiros.

Embora não tenha citado diretamente as sanções a Moraes, Dino determinou a notificação de órgãos financeiros estratégicos para garantir o cumprimento da liminar. Serão informados o Banco Central, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).

Na prática, qualquer operação financeira – como cancelamento de contrato, bloqueio de ativos ou transferência para o exterior – que decorra exclusivamente de ordem emitida por autoridade estrangeira dependerá, a partir da liminar, de autorização expressa do STF nos autos da ADPF. “Transações, operações, cancelamentos de contratos ou bloqueios de ativos por determinação de Estado estrangeiro necessitam de expressa autorização desta Corte”, definiu o ministro.

A decisão também admite que cidadãos brasileiros ou empresas afetados por medidas de outros governos busquem proteção diretamente no Supremo. Segundo Dino, o tribunal poderá ser instado a analisar situações específicas para evitar que providências externas contrariem a Constituição e as leis nacionais.

O ministro anunciou ainda a realização de audiência pública para debater o tema. O cronograma de convites e participação de especialistas, órgãos governamentais e representantes da sociedade civil será divulgado posteriormente. O objetivo é coletar subsídios técnicos e jurídicos antes do julgamento definitivo da matéria pelo plenário do STF.

Especialistas em direito internacional consultados pela reportagem observam que a liminar retoma entendimento histórico da Corte sobre a necessidade de homologação das decisões estrangeiras no Brasil. O procedimento, disciplinado pelo Código de Processo Civil, prevê a análise de requisitos formais – como competência da autoridade de origem e respeito ao contraditório – antes da execução doméstica de qualquer sentença.

A medida de Dino não interfere em acordos multilaterais dos quais o Brasil é signatário. Tratados internacionais ratificados pelo Congresso Nacional permanecem válidos e continuam a reger temas como comércio, cooperação jurídica e direitos humanos, desde que observem o devido processo de internalização.

Com a liminar, o STF reforça a prerrogativa de controle sobre atos estrangeiros que afetem o ordenamento interno, ao mesmo tempo em que remete ao Legislativo e ao Executivo a condução de negociações internacionais que possam mitigar conflitos de jurisdição. Enquanto o julgamento definitivo não ocorre, qualquer tentativa de aplicar sanções externas sem chancela da Justiça brasileira poderá ser contestada no tribunal.

Dino enfatizou que a soberania nacional deve ser preservada contra iniciativas que busquem “impor pensamentos” ou conclusões prontas a órgãos brasileiros. Para o ministro, a análise prévia pelo Judiciário garante não apenas a observância da Constituição, mas também a defesa do interesse público e da autonomia do Estado.

A liminar será submetida à análise do plenário do STF, que poderá mantê-la, modificá-la ou revogá-la. Não há data definida para o julgamento colegiado.

Até lá, permanece o entendimento de que leis e decisões estrangeiras somente poderão ter eficácia no Brasil após verificação de sua compatibilidade com a ordem jurídica nacional.

CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK!

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*