
A série House of Guinness, disponível na Netflix e criada por Steven Knight, reconstitui a vida dos quatro filhos de Benjamin Guinness — Arthur, Edward, Anne e Benjamin — no período que se segue à morte do patriarca em 1868. Ao mesmo tempo em que se apoia em eventos documentados, a produção admite recorrer à invenção para preencher lacunas da história.
Os personagens centrais existiram de fato. Herdaram uma das maiores fortunas da Irlanda e, por isso, tornaram-se figuras de influência em Dublin e em Londres. Na trama, o roteirista mostra como cada irmão reage à divisão do império familiar e aos conflitos políticos que ganhavam força no fim do século XIX.
Nesse contexto, o grupo revolucionário Fenian, que buscava a independência irlandesa, aparece como antagonista. O retrato não está distante da realidade: os Fenians consideravam os Guinness aliados do establishment britânico e, portanto, alvos legítimos. A ameaça é um dos pontos em que a narrativa se mantém próxima dos registros históricos.
Em entrevistas, Knight explicou que vê os fatos confirmados como “pedras de apoio” sobre as quais constrói diálogos, motivações e encontros que não constam nos arquivos. “O objetivo é imaginar o que esses herdeiros poderiam ter sentido diante de decisões que conhecemos apenas pelos documentos”, afirmou o criador de Peaky Blinders. Assim, as reuniões familiares, segredos revelados em conversas privadas e parte das tensões internas pertencem ao terreno da ficção.
A escolha de incluir personagens inéditos também serve à dramaturgia. Ivana Lowell, descendente direta dos Guinness que colaborou com a série, disse que figuras como Rafferty foram criadas para “trazer paixão e conflito” à tela, sem comprometer o panorama histórico mais amplo.
A produção, portanto, respeita marcos verificados — a sucessão, o embate político da época e o impacto social da família —, mas não se propõe a funcionar como documentário. Define-se como dramatic fiction based on real events, conceito que combina a autenticidade dos grandes episódios com a liberdade criativa sobre sentimentos e bastidores.
Para o público, a principal orientação é separar planos distintos: os acontecimentos públicos ligados aos Guinness e aos Fenians são sustentados por fontes históricas; já as conversas particulares, alianças internas e alguns antagonismos partem da imaginação dos roteiristas. Essa estratégia mantém a verossimilhança enquanto garante ritmo de suspense e de drama, recurso habitual em obras que unem entretenimento e reconstrução do passado.
Com esse equilíbrio entre pesquisa factual e licença artística, House of Guinness busca retratar temas universais — poder, ambição e legado — a partir da trajetória real da família que deu nome a uma das mais tradicionais marcas de cerveja do mundo.
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