Impunidade derrubou blindagem a deputados em 2001; PEC busca volta

A série de casos de imunidade parlamentar que impediram o avanço de investigações criminais contra senadores e deputados nos anos 1990 levou o Congresso a aprovar, em dezembro de 2001, a Emenda Constitucional 35. A medida eliminou a exigência de aval prévio da Câmara ou do Senado para que parlamentares fossem processados criminalmente, resposta direta à pressão popular contra a chamada blindagem parlamentar.

Vinte e quatro anos depois, a Câmara discute a Proposta de Emenda à Constituição 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem ou das Prerrogativas. O texto restabelece a necessidade de autorização da maioria das Casas, em votação secreta, antes que o Judiciário possa abrir ação penal contra integrantes do Legislativo.

Durante a década de 1990, o Supremo Tribunal Federal encaminhou quase 300 pedidos de licença para processar congressistas, todos rejeitados. “Houve uma mistura entre imunidade e impunidade, e a sociedade reagiu”, recorda a jornalista Tereza Cruvinel, que cobriu o tema para o jornal O Globo.

Casos que impulsionaram a EC 35

Alguns episódios emblemáticos reforçaram o clamor por mudanças. O ex-deputado acreano Hildebrando Pascoal, apelidado de “deputado da motosserra”, chegou ao Congresso em 1998 enquanto era suspeito de tráfico de drogas e homicídios — entre eles o esquartejamento de rivais. Em vez de autorizar o processo solicitado pelo STF, a Câmara cassou seu mandato, evitando criar precedente.

Outro caso marcante foi o desabamento do edifício Palace 2, no Rio de Janeiro, em 1998. O prédio pertencia ao engenheiro e deputado Sérgio Naya, responsável técnico pela obra que deixou oito mortos. A comoção acelerou a tramitação das propostas que resultariam na EC 35.

No Senado, ganhou destaque o atentado de 1993 cometido por Ronaldo Cunha Lima contra o ex-governador Tarcísio Burity. Eleito senador em 1995, Cunha Lima manteve-se protegido pela blindagem parlamentar por quase uma década; só passou a responder à Justiça após a mudança constitucional, mas renunciou em 2007, levando o caso para a primeira instância.

Origem e crítica ao novo texto

A autorização prévia fora incluída na Constituição de 1988 como salvaguarda contra eventuais perseguições políticas após 21 anos de ditadura. Para especialistas, o contexto de redemocratização não se aplica mais. Em artigo técnico, a analista legislativa Orlange Maria Brito afirma que o dispositivo “degenerou-se em mecanismo de proteção a atos delituosos”.

Os defensores da PEC da Blindagem argumentam que o objetivo é resguardar o mandato de interferências indevidas. O relator, deputado Claudio Cajado (PP-BA), sustenta que a proposta “não é licença para abusos, mas um escudo em defesa da soberania do voto”. Já o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) declarou em plenário: “Quem cometer crime vai pagar; esta Casa não protege criminoso”.

Entidades ligadas ao combate à corrupção alertam, porém, que o retorno da autorização legislativa pode abrir espaço para pressões corporativas e atrasar investigações, especialmente em casos envolvendo emendas parlamentares.

Com a PEC da Blindagem ainda em análise, o Congresso revisita o debate iniciado há mais de duas décadas: onde termina a imunidade necessária ao exercício do mandato e onde começa a impunidade que a sociedade rejeitou em 2001.

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