
A recente polêmica envolvendo a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, expõe um problema grave e cada vez mais recorrente no jornalismo brasileiro: a transformação da fonte em off em regra, e não em exceção — muitas vezes sem a apresentação de provas concretas, documentos ou fatos verificáveis.
A controvérsia começou com uma coluna assinada por Malu Gaspar no jornal O Globo, publicada em 22 de dezembro de 2025, na qual a jornalista relatou — com base em seis fontes sigilosas — que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, teria procurado repetidamente o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, para tratar da situação do Banco Master, um banco que estava sob investigação e acabou sendo liquidado pelo BC. Segundo a publicação, Moraes teria feito pelo menos quatro contatos (três por telefone e um presencial) com Galípolo para abordar a análise da operação de venda do Banco Master ao Banco de Brasília (BRB) e teria manifestado apoio ao banqueiro dono do Master.
O artigo da jornalista Malu Gaspar também destacou que o escritório de advocacia da esposa de Moraes, Viviane Barci de Moraes, tinha um contrato de prestação de serviços com o Banco Master, gerando questionamentos sobre possível conflito de interesses no episódio.
Importante notar que a colunista não apresentou documentos públicos nem provas concretas, baseando-se principalmente em relatos de fontes não identificadas — algo que acelerou a repercussão da matéria antes da apresentação de evidências acessíveis ao público.
Após a publicação, o ministro Alexandre de Moraes divulgou notas oficiais negando as alegações, afirmando que os encontros com o presidente do Banco Central se limitaram a reuniões para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky, uma sanção dos Estados Unidos da qual ele e sua família foram alvo, e que em nenhuma reunião foi tratado qualquer assunto relacionado ao Banco Master ou favorecimento da operação.
O Banco Central também emitiu nota confirmando que houve reuniões com Moraes, mas somente para debater os impactos da Lei Magnitsky, sem mencionar qualquer discussão sobre o caso do Banco Master como relatado na coluna.
A divulgação dessas informações levou a reações políticas, incluindo pedidos de impeachment e CPI contra Moraes por parte de parlamentares que citaram a reportagem como base para suas ações — mesmo diante das negativas oficiais e da ausência de provas públicas que sustentem as acusações originais.
O artigo da colunista Malu Gaspar gerou forte repercussão nacional foi publicada com base em relatos atribuídos a fontes não identificadas, no clássico modelo do “ouvi falar”, sem que o leitor tivesse acesso a evidências objetivas que sustentassem acusações tão sérias. O resultado foi previsível: ruído político, desgaste institucional e um debate público contaminado por suposições.
Fonte em off não é salvo-conduto para especulação
É importante deixar claro: o sigilo da fonte é garantido pela Constituição Federal. Trata-se de uma conquista democrática fundamental para proteger denunciantes e permitir que abusos venham à tona. No entanto, essa garantia não exime o jornalista de responsabilidade ética.
Fonte em off não pode ser usada como escudo para publicar insinuações sem prova.
Fonte em off não substitui documento, registro, gravação ou evidência factual.
E, sobretudo, fonte em off não autoriza o jornalismo a abdicar da verificação rigorosa.
Quando o jornalismo passa a publicar acusações graves apenas com base em relatos anônimos, sem apresentar provas ao leitor, deixa de informar e passa a especular — o que é incompatível com a função social da imprensa.
Acusações graves exigem provas graves
No caso em questão, as informações divulgadas foram negadas publicamente por Alexandre de Moraes e por outros envolvidos. Até o momento, nenhuma prova documental foi apresentada que confirme as acusações tal como foram publicadas.
Negativas oficiais não encerram, por si só, uma investigação jornalística — isso é verdade. Mas quando não há provas visíveis, quando tudo se sustenta apenas em “relatos de bastidores”, o jornalismo responsável deveria agir com cautela redobrada, e não com manchetes e colunas que amplificam suspeitas.
Publicar primeiro e provar depois não é jornalismo investigativo; é jornalismo de impacto, voltado mais à repercussão do que à verdade.
A banalização da fonte anônima corrói a credibilidade da imprensa
O uso indiscriminado de fontes em off virou uma praga que se espalhou pelo jornalismo brasileiro. O que antes era exceção estratégica virou método padrão. Isso enfraquece a credibilidade da imprensa e alimenta a desconfiança da sociedade em relação aos meios de comunicação.
Quando tudo é “segundo fontes”, “pessoas próximas”, “interlocutores que pediram anonimato”, o leitor fica sem condições de avaliar a qualidade da informação. E o jornalismo, que deveria iluminar os fatos, passa a operar na penumbra.
Ética jornalística não é opcional
O jornalista tem direito ao sigilo da fonte, mas também tem o dever de exigir provas antes de publicar. Se a fonte não apresenta elementos verificáveis, o correto é aprofundar a apuração — ou simplesmente não publicar.
Responsabilidade, ética e compromisso com os fatos são pilares do jornalismo profissional. Quando esses pilares são relativizados, o dano não atinge apenas os citados na reportagem, mas a própria imprensa e o debate democrático.
Criticar a atuação jornalística de Malu Gaspar neste episódio não é atacar a liberdade de imprensa — é justamente o contrário. É defender um jornalismo mais responsável, mais rigoroso e menos refém de bastidores sem comprovação.
Em tempos de polarização extrema e desinformação, o Brasil precisa de menos “ouvi dizer” e mais fatos.
Menos fonte em off sem prova.
Mais jornalismo de verdade.

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