
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou que não existe “a menor possibilidade” de recuar na condução das investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado que, segundo a Procuradoria-Geral da República, pretendia manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. A declaração foi dada em entrevista ao jornal norte-americano The Washington Post, publicada nesta segunda-feira (18).
Relator dos inquéritos que apuram o caso no Supremo, Moraes disse aos correspondentes estrangeiros Marina Dias e Terrence McCoy que a Corte seguirá o rito processual até o fim. “Vamos receber a denúncia, analisar as evidências, e quem tiver de ser condenado vai ser condenado, e quem tiver de ser absolvido vai ser absolvido”, declarou. O magistrado acrescentou que “não há chance de recuar um milímetro” na tramitação.
Perfil traçado por 12 fontes próximas
Para construir o perfil, os repórteres entrevistaram 12 pessoas que convivem com Moraes, entre amigos e colegas de trabalho, a maioria em caráter de anonimato. Conforme o texto, parte desses interlocutores considera que as decisões firmes do ministro foram determinantes para “preservar a democracia brasileira” em um contexto global de avanço autoritário. Outros, entretanto, avaliam que o comportamento do magistrado ultrapassa limites e afeta a legitimidade do STF.
O jornal descreve Moraes como um juiz habituado a confrontos com grupos influentes e defensor da máxima “nunca desista, sempre avance”. Segundo a reportagem, o ministro ganhou projeção internacional e passou a ser visto como “xerife da democracia” ao adotar medidas que envolvem liberdade de expressão, regulação de plataformas tecnológicas e contenção de ameaças institucionais.
Medidas de alto impacto citadas
Entre as decisões mencionadas pelo Washington Post, destaca-se a prisão domiciliar imposta a Jair Bolsonaro no início do mês, relacionada ao mesmo inquérito sobre a tentativa de golpe. O texto também recorda outras ordens de Moraes, como a suspensão de contas em redes sociais de investigados que propagaram desinformação.
Questionado sobre possíveis retrocessos, Moraes repetiu que o Brasil “foi infectado por uma doença autoritária” e que cabe ao Supremo “aplicar a vacina” por meio da lei. “Não há chance de recuarmos do que devemos fazer”, reforçou, referindo-se ao papel dos ministros da Corte.
Sanções dos Estados Unidos
A matéria aborda ainda as sanções impostas pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o ministro. Em 2025, a Casa Branca aplicou tarifas extras sobre produtos brasileiros, revogou o visto do magistrado e de familiares e acionou a Lei Magnitsky — mecanismo norte-americano que pune supostos violadores de direitos humanos no exterior.
Moraes atribuiu a iniciativa a “fake news” disseminadas nas redes sociais e pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Segundo o ministro, Trump justificou as medidas com a alegação de que o STF promovia “caça às bruxas” contra o ex-presidente brasileiro. “O que precisamos fazer, e o que o Brasil está fazendo, é esclarecer as coisas”, afirmou.
Julgamento marcado para setembro
O processo criminal no qual Jair Bolsonaro e outros sete ex-auxiliares respondem por tentativa de golpe está agendado para começar em 2 de setembro na Primeira Turma do Supremo, colegiado composto por cinco ministros: Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia. A acusação envolve a elaboração de minutas de decretação de estado de defesa e a convocação de militares para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.
Se condenados, os réus podem receber penas que incluem perda de direitos políticos, multas e prisão. O relator deve apresentar primeiro voto, seguido pelos demais integrantes da Turma. A Procuradoria-Geral da República sustenta que houve organização para subverter a ordem constitucional, enquanto as defesas alegam inexistência de atos concretos para consumar o golpe.

Imagem: Fabio Rodrigues-Pozzebom via agenciabrasil.ebc.com.br
Repercussão e críticas
Especialistas citados pelo jornal avaliam que os atos de Moraes refletem uma postura “agressiva” de exercício do poder judicial. Para apoiadores, tal rigidez seria necessária em face de ameaças ao Estado Democrático de Direito. Entre críticos, porém, há o argumento de que a adoção de medidas cautelares extensas contra adversários políticos pode reforçar a polarização e gerar questionamentos sobre imparcialidade.
Moraes, por sua vez, sustenta que atua dentro dos limites constitucionais. O ministro lembra que qualquer decisão é revisável pelos demais membros do STF ou pelo plenário. “Cumprir a lei é o que garante a todos o mesmo padrão de direitos”, costuma dizer em eventos públicos.
Contexto de desafios institucionais
Desde 2019, o Supremo intensificou a fiscalização de conteúdos online considerados ameaçadores à democracia. A atuação de Moraes à frente de inquéritos envolvendo desinformação, financiamento de atos antidemocráticos e milícias digitais fez dele figura central nos debates sobre o equilíbrio entre liberdade de expressão e segurança institucional no Brasil.
A entrevista ao Washington Post ocorre em momento de alta visibilidade internacional do tribunal brasileiro. Observadores externos acompanham o desenrolar dos processos contra Bolsonaro para medir a capacidade das instituições de lidar com crises políticas sem comprometer garantias individuais. Moraes declarou que a Corte “fará o que é certo”, sob avaliação de provas e contraditório.
Até a abertura do julgamento em setembro, a expectativa é de que o relator conclua eventuais diligências pendentes e apresente relatório final. O resultado será decidido por maioria simples da Primeira Turma. Caso haja recurso, o caso poderá ser remetido ao plenário ou ao Superior Tribunal de Justiça, conforme a matéria em discussão.
Com a promessa de não recuar “nem um milímetro”, Alexandre de Moraes reforça sua posição de protagonista na defesa das instituições, ao mesmo tempo em que alimenta debates sobre o alcance do poder judicial no cenário político nacional.

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