
Um estudo conduzido no Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) vem usando a robótica como ferramenta para apoiar adolescentes e jovens que cumprem ou já cumpriram medidas socioeducativas na Fundação de Atendimento Socioeducativo de Pernambuco (Funase).
À frente da pesquisa está o estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas Daniel Messias, 26 anos. Inspirado pela filosofia africana sawabona-shikoba, segundo a qual se valoriza a pessoa e não seu erro, ele defende que o ensino tecnológico pode funcionar como ponte entre privação de liberdade e reinserção social.
A iniciativa oferece oficinas de robótica e pensamento computacional. A primeira turma, já concluída, formou 18 egressos da Funase; a segunda, em andamento, reúne adolescentes ainda internados. Entre os projetos desenvolvidos está um robô seguidor de linha montado com a metodologia aberta Roboliv.re, criada pelo engenheiro de sistemas Henrique Foresti.
“A educação precisa ser restaurativa; é preciso resgatar as pessoas pelas qualidades, não pelo erro”, afirma Messias. Ele critica o que chama de “necropolítica”, conceito do filósofo Achille Mbembe que descreve políticas que eliminam perspectivas de determinados grupos, sobretudo jovens negros.
Dados do Conselho Nacional de Justiça indicam que, em 2024, o Brasil tinha cerca de 11 mil adolescentes em medidas socioeducativas; 95 % eram meninos e 74 % se declaravam pretos ou pardos. O contexto reforça, segundo os pesquisadores, a urgência de alternativas ao ciclo de reincidência.
Foresti observa que muitos participantes não se viam capazes de ocupar espaços de inovação: “O sentimento de pertencimento é o grande desafio; quando chegam ao laboratório percebem que, pela tecnologia, podem mudar de vida”.
Os resultados iniciais revelaram habilidades consideradas valiosas para o mercado, como pensamento crítico, criatividade e solução de problemas cotidianos. A próxima fase do estudo deverá investigar formas de transformar a formação em geração de renda; uma das possibilidades é criar uma startup vinculada às unidades socioeducativas.
Para mapear perfis profissionais, a equipe também pretende aplicar testes vocacionais e traçar planos de carreira alinhados às 475 empresas instaladas no Porto Digital, polo tecnológico localizado no centro do Recife.
Mantido com apoio do Cesar, o projeto enfrentou resistência interna. “Houve momentos de tensão quando os jovens chegaram ao prédio; muita gente questionava o que eles faziam ali”, recorda Messias. “Respondíamos que estavam produzindo inovação.”
A história pessoal do pesquisador reforça a proposta. Morador do bairro do Coque, área com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, ele cumpriu três anos e meio de medida socioeducativa antes de ingressar no ensino superior. Hoje prefere não falar do ato infracional que praticou: “Não me procure no passado, porque não estou lá”, resume.
O grupo alerta para o risco de “desfiliação” – ausência de suporte ao sair da internação – que leva muitos jovens de volta ao tráfico, onde encontram rede de apoio e renda imediata. A expectativa dos pesquisadores é que a robótica e as oportunidades no setor de tecnologia se tornem alternativas concretas a esse ciclo.

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