
O transporte rodoviário brasileiro registrou 10.478 ocorrências de roubo de cargas em 2024, segundo a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). O volume equivale a uma média de 27 ataques por dia, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), e gerou perdas estimadas em R$ 1,2 bilhão para embarcadores, transportadoras e seguradoras.
Os números reforçam a avaliação de especialistas de que a falta de infraestrutura adequada e o alto índice de criminalidade nas estradas permanecem como principais obstáculos à competitividade do setor logístico. O Relatório de Análise de Roubo de Cargas aponta avanço de 24,8 % nos ataques apenas no primeiro semestre de 2025, sinalizando tendência de agravamento mesmo após o pico observado no ano passado.
Para reduzir o impacto financeiro dos crimes, empresas vêm ampliando investimentos em segurança, rastreamento e contratação de escoltas, além de rever rotas para evitar pontos considerados críticos. Tais medidas, porém, elevam custos operacionais, aumentam o tempo de entrega e acabam repassadas ao consumidor final, encarecendo produtos brasileiros no mercado interno e externo.
Seguros obrigatórios impulsionam mercado
Desde a promulgação da Lei 14.599/23, três coberturas passaram a ser exigidas das transportadoras: Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC) e Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V). A obrigatoriedade estimulou a procura por apólices e movimentou o setor segurador.
Levantamento da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) mostra que, entre janeiro e maio de 2025, o RC-DC arrecadou R$ 570 milhões em prêmios, alta de 8,1 % sobre igual período do ano anterior. As indenizações nesse ramo subiram 12,4 %, atingindo R$ 239 milhões. Já o RCTR-C somou R$ 721 milhões em receitas, avanço de 1,5 %, enquanto os pagamentos aos segurados cresceram 5,2 %, totalizando quase R$ 520 milhões.
Apesar do incremento, executivos do setor avaliam que parte das empresas ainda não cumpre integralmente a legislação. Nesse contexto, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou, em 11 de agosto de 2025, a Portaria Suroc nº 27/2025, que condiciona a permanência no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) à comprovação das apólices exigidas.
Fiscalização digital até 2026
A portaria estabelece duas formas de comprovação. A primeira consiste na apresentação do frontispício da apólice ou do certificado de seguro aos fiscais da ANTT. A segunda prevê verificação automática em tempo real, por meio de intercâmbio de dados entre a agência reguladora e as seguradoras, ou entidade que as represente.
O sistema digital deverá estar plenamente operacional até 10 de março de 2026. Até lá, a ANTT disponibilizará às companhias de seguros manual técnico para integração via webservice, possibilitando o trânsito das informações de forma padronizada. Quem não cumprir a exigência terá o RNTRC suspenso, impedindo a realização de fretes sob o regime rodoviário.
Para o diretor de Relações Institucionais da CNseg, Esteves Colnago, a medida moderniza a fiscalização. “A portaria migra de um controle baseado em documentos físicos para um modelo digital integrado, o que promete maior eficiência e segurança para todos os envolvidos na cadeia logística”, afirmou.
Transportadoras avaliam que o modelo eletrônico pode reduzir custos administrativos, mas alertam para a necessidade de estabilidade no sistema e proteção de dados. Enquanto o prazo de adaptação não chega ao fim, empresas seguem obrigadas a portar cópias físicas das apólices em viagens, especialmente em itinerários considerados mais suscetíveis a roubo.
O aumento dos ataques também influencia decisões estratégicas de embarcadores. Grandes indústrias vêm optando por concentrar embarques em horários diurnos e em comboios escoltados, enquanto varejistas alteram centros de distribuição para pontos mais próximos dos mercados consumidores, buscando rotas menos expostas a quadrilhas especializadas. Ainda assim, a dispersão geográfica dos crimes — que afetam tanto eixos tradicionais como São Paulo-Rio de Janeiro quanto regiões de expansão agrícola — dificulta a adoção de soluções padronizadas.
Entidades do setor defendem ações coordenadas entre órgãos de segurança pública, operadoras logísticas e seguradoras. Entre as propostas estão o reforço de patrulhamento em trechos críticos, o compartilhamento de informações de inteligência e incentivos à utilização de tecnologias de rastreamento em tempo real. Enquanto essas iniciativas não se consolidam, o volume superior a 10 mil roubos de cargas em 2024 continua a representar desafio logístico e financeiro para toda a cadeia produtiva brasileira.
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