
A combinação de jornadas prolongadas, pressão por prazos e longos períodos de isolamento tem comprometido a saúde mental dos caminhoneiros brasileiros, aponta levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT). A categoria, cuja idade média já chega a 46 anos, enfrenta um cenário que afasta profissionais mais jovens e cria o chamado “apagão de motoristas”.
Dados colhidos pelo MPT mostram que 50,49% desses trabalhadores recebem exclusivamente por comissão e 43,7% não têm carga horária definida, condição que gera instabilidade financeira e emocional. A pesquisa indica ainda que 56% permanecem ao volante entre nove e 16 horas diárias, e quase um quarto ultrapassa 13 horas de trabalho por dia. Pela legislação, o limite deveria ser de 11 horas de descanso em cada período de 24 horas, com pausas de 30 minutos a cada cinco horas e meia de direção.
O caminhoneiro autônomo Emerson André, há 16 anos na estrada, resume a insegurança provocada pelo modelo comissionado: “Se você não trabalha, não ganha. A cobrança da família e o cansaço acumulado deixam muita gente doente”.
A sobrecarga também leva parte da categoria a recorrer a estimulantes. Em um teste realizado pelo MPT no fim de 2023, 26,8% dos motoristas admitiram uso frequente de substâncias para suportar turnos acima de 12 horas, incluindo os populares “rebites” e, em alguns casos, cocaína. A Polícia Rodoviária Federal confirma o aumento das autuações por consumo de inibidores de sono.
A pesquisadora Michelle Engers Taube, doutora em psicologia, constatou que a probabilidade de transtornos como ansiedade e depressão triplica quando a jornada ultrapassa 12 horas. Além disso, levantamento da plataforma Moodar revela que um em cada cinco profissionais de frotas apresenta algum grau de vulnerabilidade emocional.
Para o procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes, a precariedade estrutural do setor dificulta avanços. “Boa parte da falta de mão de obra está associada à percepção negativa sobre a profissão, especialmente em relação à saúde mental”, afirma. Ele lembra que o transporte rodoviário lidera o ranking de acidentes de trabalho fatais no país.

A ausência de pontos de parada adequados é outro fator que impede o cumprimento da lei. Segundo a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, muitos postos exigem consumo mínimo de combustível para permitir pernoite, e dormir à beira da estrada expõe o motorista a assaltos e sequestros.
A nova redação da Norma Regulamentadora nº 1, em vigor desde maio, obriga todas as empresas a mapear e mitigar riscos psicossociais. A neurocientista Barbara Lippi, da Moodar, explica que a exigência vai além da prevenção de acidentes físicos: “Agora é preciso identificar fatores como estresse, fadiga e sobrecarga que possam adoecer coletivamente os trabalhadores”. As companhias têm um ano para se adequar.
Especialistas em trânsito alertam que a deterioração da saúde mental dos caminhoneiros representa também risco direto para a segurança viária. O psiquiatra Alcides Trentin Junior, da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, defende avaliações periódicas e políticas públicas que promovam estradas mais seguras e locais de descanso. Na visão dele, dirigir profissionalmente sob jornadas prolongadas deve ser reconhecido como atividade penosa, dado o alto grau de exigência física e psicológica.
Enquanto novas normas não se consolidam, motoristas continuam tentando conciliar prazos apertados, remuneração variável e distância da família. “Tem que ter estrada boa e lugar de descanso; querem cobrar o que está na lei, mas não oferecem condições”, reclama o veterano Daniel Francisco de Lima, há 27 anos no volante. A cobrança por melhores condições de trabalho permanece, mas, até lá, exaustão e solidão seguem como companheiras constantes de viagem.
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