
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu, em decisão liminar, o ato do governo do Espírito Santo que havia transferido para a Suzano S.A. a propriedade da área ocupada pelo Quilombo Itaúnas, localizado em Conceição da Barra, norte do Estado. A medida interrompeu a reintegração de posse marcada para a manhã desta terça-feira, 16, e restituiu, provisoriamente, o território de mais de 130 famílias quilombolas.
A determinação foi assinada pelo ministro Herman Benjamin. No despacho, o magistrado classificou o imóvel como “terra devoluta”, ou seja, bem público que nunca integrou o patrimônio de particulares, e encaminhou o processo para análise do ministro Sérgio Kukina, da Primeira Seção.
O Ministério Público Federal (MPF) contesta, em ação civil que tramita no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, os títulos entregues à Suzano — sucessora da Fibria — e sustenta que a obtenção dos documentos foi fraudulenta. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também já havia notificado o Estado sobre estudos de identificação e titulação de diversos territórios quilombolas em Conceição da Barra e São Miguel.
Com a ameaça de retirada, lideranças do Quilombo Itaúnas deixaram a comunidade pela primeira vez por temor de violência. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) considerou a tentativa de despejo “um ataque frontal ao direito constitucional das famílias negras rurais”.
Os moradores reivindicam 30 hectares para garantir a reprodução social do grupo, que vive na região há mais de 300 anos e aguarda a certificação da Fundação Cultural Palmares. O território é reconhecido como berço de manifestações da cultura popular capixaba, mantidas por mestres como Anís e Caboquim.

De acordo com o líder Bruno Camilo, o interesse da empresa de celulose é “expandir o plantio de eucalipto”, enquanto a comunidade desenvolve projetos de reflorestamento que já receberam prêmios internacionais. Especialistas alertam que a monocultura de eucalipto provoca perda de biodiversidade e intensifica o uso de agrotóxicos, quadro semelhante ao observado em grandes áreas de soja e milho.
Estudo do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos identificou sítios arqueológicos próximos ao rio Itaúnas, com artefatos datados de 500 a.C., reforçando a relevância histórica da área. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional registra 550 sítios arqueológicos em território capixaba, a maioria no litoral norte.
Camilo relatou a morte de um irmão durante a mobilização e informou que outro familiar está hospitalizado após um infarto. Segundo ele, antes da Suzano, outra empresa do mesmo setor tentou ocupar a área. Procurada, a Suzano não se manifestou; os Ministérios da Igualdade Racial, da Justiça e a Fundação Cultural Palmares também não responderam até o fechamento desta edição.
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