
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades relevantes na formulação e na execução do Programa Mais Médicos, principalmente no Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB), criado para levar profissionais a regiões com dificuldade de fixação. A conclusão consta de auditoria relatada pelo ministro Jhonatan de Jesus, cujo relatório foi aprovado na última semana.
Entre 2018 e 2024, o programa recebeu cerca de R$ 20,2 bilhões. Considerado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma das ações prioritárias retomadas no início do terceiro mandato, o PMMB conta atualmente com 26,4 mil médicos distribuídos em 4,5 mil municípios e em todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
Segundo o TCU, o diagnóstico utilizado para justificar a reativação do Mais Médicos em 2023 não demonstrou de forma suficiente a carência de profissionais em áreas vulneráveis. O órgão também identificou a ausência de avaliação de alternativas antes da decisão de ampliar o programa.
O relatório classifica a governança como “satisfatória” nos aspectos de coordenação e monitoramento, mas ressalta deficiências em diagnóstico, análise de custo-benefício, especificação de metas, definição de indicadores de custo-efetividade e gestão de riscos. “Tais fragilidades não configuram ilicitude, mas podem reduzir a eficiência e a transparência do gasto público”, registrou o ministro Jhonatan de Jesus.
Na avaliação do TCU, os objetivos legais do PMMB são genéricos e as metas se limitam ao número de vagas ofertadas, sem parâmetros que permitam medir o impacto real na saúde da população. Também não há periodicidade de verificação nem metas para os indicadores já existentes. Os atuais mecanismos de aferição contemplam apenas a fixação dos médicos e a proporção de vagas em função do índice de vulnerabilidade social.
Os indicadores de efetividade, acrescenta o tribunal, restringem-se à cobertura populacional estimada e ao nível de satisfação de usuários, profissionais e gestores. Não há métricas sobre resultados assistenciais, como redução de internações ou melhora de indicadores de saúde.
Entre as recomendações, o TCU sugere que o Ministério da Saúde:
- aprofunde o diagnóstico sobre a distribuição de médicos;
- avalie alternativas de intervenção antes de expandir vagas;
- estabeleça metas claras e mensuráveis para eficiência e efetividade;
- implemente gestão formal de riscos em todas as etapas do programa.
Para o tribunal, essas medidas poderão tornar a aplicação dos recursos mais transparente e alinhar o programa aos princípios constitucionais de eficiência e publicidade.

Imagem: Ministério da Saúde / Divulgação
Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Saúde declarou que “atua, desde 2023, no aprimoramento do Programa Mais Médicos e com ações que atendem às recomendações do TCU”. A pasta informou que firmou parcerias com universidades federais para desenvolver indicadores de efetividade, simular impactos e criar algoritmos que priorizem territórios com maior vulnerabilidade social.
O ministério ressaltou que a expansão da cobertura e o fortalecimento da atenção primária “são fundamentais na redução de agravos de saúde e internações” e citou estudos independentes que apontam atendimento a 67 milhões de brasileiros. Ainda segundo a pasta, o número atual de profissionais em atividade representa mais que o dobro do registrado em 2022.
Durante a análise, o TCU confirmou que o Mais Médicos opera em conformidade com a legislação vigente e destacou positivamente a coordenação e o monitoramento realizados pela equipe do Ministério da Saúde. Contudo, o tribunal enfatizou a necessidade de aperfeiçoar a formulação de metas para assegurar que a expansão do programa resulte em benefício concreto aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
A auditoria não identificou irregularidades que exijam a suspensão de pagamentos ou responsabilização de gestores, mas determinou que as recomendações sejam acompanhadas pela unidade técnica do tribunal. O Ministério da Saúde deverá apresentar, em prazos definidos pelo acórdão, evidências de que os ajustes estão sendo implementados.
O Programa Mais Médicos foi criado em 2013 com o objetivo de suprir a falta de profissionais em regiões afastadas e vulneráveis. Após mudanças em 2019, quando a cooperação com médicos cubanos foi encerrada, o número de participantes diminuiu. O governo federal retomou o modelo de contratação direta em 2023, ampliando vagas e oferecendo incentivos para fixação.
Com as novas recomendações do TCU, o Ministério da Saúde terá de demonstrar que as vagas distribuídas são, de fato, as mais necessárias e que geram resultados positivos mensuráveis. A expectativa do tribunal é que indicadores de custo-efetividade passem a orientar futuras expansões, aumentando a transparência sobre o uso dos recursos públicos alocados ao programa.
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