
Adolescentes que utilizam cigarros eletrônicos e tradicionais simultaneamente apresentam taxas significativamente maiores de sintomas de ansiedade e depressão, indica estudo divulgado em julho na revista Plos Mental Health. A pesquisa foi conduzida por especialistas da Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos, e analisou dados coletados entre 2021 e 2023.
O trabalho recorreu à National Youth Tobacco Survey, inquérito nacional que envolveu 60 000 estudantes do ensino fundamental e médio norte-americano. O questionário investigou hábitos relacionados ao tabagismo, frequência de uso de redes sociais e presença de sinais de transtornos mentais. A abordagem ofereceu um panorama atualizado sobre a relação entre vape, cigarro convencional e saúde mental adolescente.
Os resultados mostram que 35 % dos jovens que fumam apenas cigarro tradicional relatam sintomas de depressão, enquanto 38 % mencionam ansiedade. Entre usuários exclusivos de cigarro eletrônico, os índices sobem para 36 % e 40,5 %, respectivamente. Quando o adolescente utiliza os dois produtos, as proporções atingem 43,5 % para depressão e 42,5 % para ansiedade — quase o dobro das taxas observadas entre aqueles que não fumam nada (21,8 % e 26,4 %).
Para o psiquiatra Luiz Zoldan, gerente médico do Espaço Einstein de Saúde Mental e Bem-Estar, a grande dimensão da amostra e a inclusão dos dispositivos eletrônicos tornam o estudo relevante. “A novidade é o tamanho da população analisada e o foco no uso de vapes entre adolescentes”, afirma o especialista.

Percepção de menor dano incentiva consumo de vape
Entre os jovens, o visual moderno, os aromas adocicados e a ausência do odor característico do cigarro comum criam a impressão de que o vape seria uma alternativa menos nociva. No entanto, os líquidos utilizados nesses aparelhos contêm nicotina — substância altamente dependente —, além de metais pesados, compostos potencialmente cancerígenos e agentes irritantes para o sistema respiratório.
O aquecimento do líquido inalado pode provocar inflamações pulmonares, crises de falta de ar e queda na capacidade física, sobretudo em organismos ainda em desenvolvimento. Há ainda relatos de lesões pulmonares associadas ao uso contínuo de cigarros eletrônicos, condição conhecida como EVALI.
Nicotina e desenvolvimento cerebral
Quando a dependência se estabelece, a nicotina pode interferir no desenvolvimento do cérebro adolescente, afetando circuitos ligados à regulação do humor, memória e funções cognitivas. Embora o levantamento norte-americano não tenha acompanhado os participantes ao longo do tempo — impedindo a confirmação de causa e efeito — a associação reforça preocupações de autoridades de saúde.
Zoldan ressalta a limitação temporal: “Não é possível afirmar se o tabaco provoca os sintomas ou se os jovens recorrem ao cigarro em razão deles”. Mesmo assim, os autores defendem a necessidade de políticas preventivas que alcancem escolas, famílias e comunidades.
Uso de redes sociais e tabagismo
O estudo também identificou que estudantes que permanecem três horas ou mais por dia em redes sociais têm maior propensão ao consumo de cigarros ou vapes em comparação com colegas que não utilizam essas plataformas. Embora o trabalho não aprofunde os mecanismos por trás dessa correlação, o dado aponta para a influência do ambiente digital na formação de hábitos de saúde.
Recomendações de saúde pública
Diante do aumento de dispositivos eletrônicos no mercado e do apelo entre menores de idade, entidades médicas recomendam ampliar ações educativas sobre os riscos do cigarro eletrônico. Campanhas específicas em ambientes escolares e orientação familiar são apontadas como estratégias fundamentais para reduzir o uso precoce de produtos com nicotina.
Além da informação, especialistas sugerem monitoramento rigoroso de marketing direcionado ao público jovem, fiscalização de pontos de venda e oferta de suporte clínico a quem deseja interromper o consumo. A combinação dessas medidas pretende limitar o acesso, diminuir a experimentação e, consequentemente, reduzir possíveis impactos na saúde mental.
Embora mais investigações longitudinais sejam necessárias para esclarecer o papel exato da nicotina e de outros componentes do vapor, as evidências atuais indicam que, quanto maior a exposição ao tabaco — seja por meio de cigarros convencionais ou eletrônicos —, maior a vulnerabilidade a sintomas de ansiedade e depressão durante a adolescência.
Os autores defendem que o monitoramento contínuo de tendências de consumo, associado ao acompanhamento de indicadores de saúde mental, é essencial para orientar políticas públicas e intervenções precoces.
Em síntese, o trabalho da Universidade de West Virginia reforça a ligação entre vape, tabagismo e transtornos mentais em uma fase crítica do desenvolvimento humano, evidenciando a urgência de estratégias de prevenção e apoio aos jovens.
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