
O aumento da exposição de crianças a celulares e tablets tem sido comparado por especialistas a uma “chupeta digital”, recurso utilizado por pais para acalmar os filhos em situações de choro, frustração ou tédio. O tema ganhou força após a divulgação da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2022, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que aponta que 93% dos brasileiros de 9 a 17 anos já usam a internet e que 23% acessaram a rede antes dos 6 anos — proporção que dobrava desde 2015.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desaconselha qualquer contato com telas para menores de 2 anos e recomenda mediação rigorosa nas faixas etárias seguintes. Segundo a entidade, a exposição precoce pode comprometer processos de atenção, memória e linguagem, além de reduzir oportunidades de interação presencial e brincadeiras fundamentais ao desenvolvimento emocional.
Para a psicóloga Marisa Bruno Dias Perestrelo, responsável pelo conceito de “chupeta digital”, o problema não reside na tecnologia em si, mas no uso indiscriminado. “Há uma substituição do consolo humano pelos pixels”, explica. Ela observa que, diferentemente da chupeta tradicional — retirada gradualmente pelos responsáveis —, o dispositivo eletrônico tende a permanecer como válvula de escape, criando dependência e dificultando a autorregulação da criança.
No campo cognitivo, estudos citados pela especialista indicam prejuízos no foco, na capacidade de abstração e na criatividade. Já no âmbito emocional, os impactos se estendem aos vínculos sociais, à qualidade das interações familiares e à gestão das próprias emoções. A criança, atraída pelo estímulo luminoso e sonoro, pode permanecer longos períodos imóvel, em postura que impede a exploração do ambiente e limita experiências sensoriais adequadas à fase de crescimento.
Perestrelo destaca que a responsabilidade pelo uso controlado das telas recai sobre os adultos. “A discussão é sobre a responsabilidade de quem oferece o aparelho, não sobre o aparelho em si”, sintetiza. Ela lembra que crianças aprendem por modelagem: pais concentrados constantemente no celular tendem a reforçar o comportamento de busca pelo dispositivo.
Entre as alternativas recomendadas, estão a criação de rotinas que privilegiem brincadeiras ao ar livre, conversas em família sem interferência de eletrônicos e atividades manuais que estimulem imaginação e coordenação motora. Especialistas sugerem ainda definir horários específicos para uso de tecnologia, sempre com supervisão e conteúdo adequado à idade.
A SBP ressalta que a tecnologia pode ser aliada no processo educativo quando utilizada de forma planejada, com conteúdo de qualidade e limites claros. Contudo, reforça que o contato humano permanece insubstituível para o desenvolvimento integral, razão pela qual o equilíbrio entre mundo digital e interações presenciais deve guiar a rotina infantil.
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