
O corredor que liga as áreas de embarque e desembarque do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, recebe até 15 de setembro a exposição fotográfica “Perder Tudo. Novamente”, dedicada a retratar como eventos climáticos extremos afetam a vida de pessoas refugiadas e deslocadas. Organizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) em parceria com a concessionária Aena, a mostra reúne imagens e relatos de quem precisou abandonar o país de origem por guerras, perseguições ou violência e, posteriormente, enfrentou enchentes, secas severas ou terremotos.
De acordo com o Acnur, a crise climática amplia vulnerabilidades já existentes. Enquanto a temperatura global sobe, secas prolongadas, inundações e tempestades intensas atingem desproporcionalmente populações que vivem em situação instável, sem moradia adequada ou fonte de renda segura. Para refugiados instalados em abrigos temporários ou em regiões periféricas, qualquer desastre ambiental pode significar um segundo ou terceiro deslocamento em curto espaço de tempo.
Eventos climáticos ampliam números de deslocamento
Dados compilados pela agência indicam que, na última década, fenômenos relacionados ao clima provocaram cerca de 220 milhões de deslocamentos internos no mundo. O número inclui pessoas que nunca cruzaram fronteiras, mas também abrange refugiados que, após recomeçarem em um novo país, voltaram a perder casas e pertences por causa de chuvas torrenciais, ondas de calor ou deslizamentos de terra.
A representante do Acnur para parcerias com o setor privado no Brasil, Samantha Federici, afirma que a exposição pretende tornar visível a dimensão humana da emergência climática. “A mostra evidencia que a crise climática não é apenas ambiental; é, sobretudo, uma crise humana, pois recai mais fortemente sobre os já vulneráveis”, relatou. Segundo ela, aeroportos simbolizam partidas e recomeços, o que torna Congonhas um espaço apropriado para sensibilizar um público amplo sobre a relação entre mudanças climáticas e deslocamento forçado.
No Brasil, a realidade descrita nas fotografias já se repete. Em 2024, as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul afetaram diretamente 2,4 milhões de pessoas, das quais pelo menos 43 mil eram refugiados ou solicitantes de refúgio, majoritariamente provenientes da Venezuela e do Haiti. Muitos desses grupos haviam chegado ao país recentemente e ainda buscavam emprego, moradia definitiva e regularização documental quando foram surpreendidos pelas chuvas.
Inclusão de refugiados em políticas climáticas
A exposição também ressalta a necessidade de políticas públicas que considerem a condição específica dos refugiados diante da intensificação dos eventos climáticos extremos. Samantha reforça que o investimento em moradias seguras, sistemas de alerta precoce e infraestrutura resiliente nas cidades de acolhida deve contemplar todas as populações. “É fundamental incluir refugiados em estratégias de prevenção, adaptação e resposta climática, garantindo acesso a água, energia e meios de subsistência”, defendeu.
A proposta vai ao encontro de debates internacionais que procuram ampliar o financiamento climático para regiões e populações mais afetadas. O Acnur argumenta que países receptores, como o Brasil, precisam de recursos externos para fortalecer a capacidade de resposta local, reduzindo o impacto de enchentes, secas e tempestades sobre comunidades acolhedoras e sobre quem chega em situação de refúgio.
Imagem: UNHCR
Os visitantes da mostra percorrem 24 painéis distribuídos ao longo de 60 metros, onde encontram fotografias assinadas por Andrew McConnell, Henry Macías e outros profissionais que atuam em zonas de conflito ou em áreas recentemente devastadas por desastres naturais. Cada imagem é acompanhada por textos curtos que apresentam o contexto do registro: nome da pessoa retratada, país de origem, motivo da fuga inicial e o tipo de evento climático enfrentado após o deslocamento.
Visibilidade em época de debate climático global
A instalação em Congonhas ocorre a pouco mais de um ano da COP 30, prevista para novembro de 2026 em Belém (PA). Para o Acnur, a proximidade do evento internacional oferece oportunidade de reforçar a pauta da proteção a refugiados dentro das negociações climáticas. Nas palavras de Samantha, “é um convite para que viajantes e moradores de São Paulo se lembrem de que, por trás de dados estatísticos sobre aquecimento global, há pessoas com nomes, rostos e histórias de resistência”.
Quem passa diariamente pelo aeroporto pode conferir imagens de refugiados sírios que viram assentamentos inundados na Jordânia, de famílias afegãs atingidas por terremotos em regiões montanhosas e de agricultores sul-sudaneses obrigados a se deslocar após quatro estações consecutivas de seca. Em comum, todos relatam o sentimento de ter de recomeçar do zero em meio à incerteza climática. “Perdi meu lar na guerra e, depois, a enchente levou o que restava”, lê-se em um dos painéis.
A exposição “Perder Tudo. Novamente” fica aberta ao público 24 horas por dia, sem cobrança de ingresso. Multiplicar iniciativas semelhantes em terminais rodoviários, estações de metrô e espaços culturais é, segundo o Acnur, parte da estratégia de conscientização sobre o impacto dos eventos climáticos extremos em refugiados. Para a agência, ampliar a visibilidade dessas histórias é passo essencial para influenciar políticas que protejam quem já suportou conflitos e agora precisa enfrentar a crise climática.
Ao reunir fotografia documental, dados atualizados e depoimentos, a mostra busca conectar o visitante com a urgência do tema. Ao final do percurso, um painel interativo convida o público a compartilhar nas redes sociais impressões sobre a exposição, reforçando a ideia de que a crise climática e o deslocamento forçado devem ser discutidos de forma conjunta nas agendas ambiental e humanitária.
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